Relator do PLP 17 propõe limitar multas e nacionalizar desempate pró-contribuinte

Relator do PLP 17 propõe limitar multas e nacionalizar desempate pró-contribuinte

Projeto propõe a criar um Código de Defesa do Contribuinte semelhante ao vigente nos Estados Unidos

Limitação das multas a 200% do crédito tributário e nacionalização da solução de empates a favor do contribuinte no contencioso administrativo tributário. Essas e outras alterações estão no parecer do relator do Projeto de Lei Complementar (PLP) 17, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), que, na última sexta-feira (1°/7), apresentou um substitutivo ao projeto original. O PLP 17, de autoria de Felipe Rigoni (União-ES) e outros 30 deputados, se propõe a criar um Código de Defesa do Contribuinte, com inspiração declarada no Taxpayer Bill of Rights, dos Estados Unidos. A proposta tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados.

No substitutivo, o relator modifica algumas propostas da redação original. Um exemplo é que o texto proposto por Pedro Paulo não condiciona à autorização judicial o uso de força policial na fiscalização ao estabelecimento do contribuinte, como fazia o texto anterior. A nova proposta prevê a necessidade de autorização legal para fiscalizar estabelecimentos nos casos previstos em lei e, ainda, que o emprego de força policial deve ocorrer de forma justificada. No entanto, no geral, o parlamentar não se prendeu ao projeto original.

Entre as inovações do substitutivo está a limitação das multas a 200% do crédito tributário no caso de comprovação de dolo, fraude ou simulação. Atualmente, a multa pode chegar a 225%. Além disso, a proposta de Pedro Paulo prevê extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária mediante o pagamento da dívida, desde que ocorra antes do recebimento da denúncia e que o contribuinte não seja reincidente em crimes dessa natureza.

O relatório prevê ainda que, em caso de empate no julgamento de processo administrativo tributário, o processo seja decidido favoravelmente ao contribuinte nas esferas federal, estadual e municipal. Atualmente, o desempate pró-contribuinte é aplicado no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que julga casos tributários na esfera administrativa federal. Contudo, segundo o substitutivo, a regra não se aplicará a municípios que não possuam servidores públicos para garantir a composição paritária do tribunal administrativo. O relator propôs também permitir a apresentação de provas em qualquer momento do processo administrativo, desde que a matéria tenha sido previamente impugnada.

Entidades representativas dos auditores fiscais, contrárias ao PLP 17, se dividiram com relação ao substitutivo do relator. Para Isac Falcão, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), as propostas do relatório criam obstáculos à atuação do fisco. “Enquanto o mundo está preocupado em dar ao fisco as condições para que consiga tributar as grandes corporações, e conseguir fazer o custeio do serviço público, o projeto vai no sentido de restringir a atuação do fisco e retirar instrumentos de combate à sonegação”, afirmou.

Ele citou como exemplo a possibilidade de o contribuinte apresentar provas em qualquer momento no processo administrativo, desde que a matéria tenha sido previamente impugnada. “Você vai poder estar sempre retomando uma análise e, com isso, inviabilizando a conclusão do processo dentro de um prazo razoável”, avaliou.

Já Mauro Silva, presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal o Brasil (Unafisco) considera que a proposta tem “qualidade técnica”. “É muito difícil estabelecer uma comparação [com a proposta original], pois é praticamente outro projeto. Foca mais no processo administrativo tributário do que nos direitos do contribuinte. Eu espero que ele [substitutivo] seja aperfeiçoado e prospere. Nós vamos fazer sugestões ao relator, sem dúvida”, afirmou. Segundo Silva, uma das alterações que a entidade vai propor tem relação com o desempate pró-contribuinte.

“Ou você volta ao sistema anterior, que era o voto de qualidade [o presidente da turma, representante do fisco, dá o voto de Minerva em caso de empate] , ou mantém o atual, mas permitindo que a Fazenda Nacional, do estado ou do município possa recorrer ao judiciário [após solução do empate a favor do contribuinte]. Foi o que o [ministro do STF, Luís Roberto] Barroso propôs”, disse, referindo-se ao voto de Barroso nas ADIs 6403, 6399 e 6415, que questionam a constitucionalidade do desempate pró-contribuinte.

Em seu voto, Barroso não viu inconstitucionalidade na previsão legal de resolução dos empates a favor do contribuinte no Carf. Contudo, propôs que a Fazenda Nacional possa recorrer ao judiciário após perder no tribunal. Atualmente, se a Fazenda perde no Carf, o contencioso é encerrado. O placar está em 5×1 no Supremo Tribunal Federal para permitir o desempate pró-contribuinte, mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Nunes Marques. Não há previsão para a retomada.

fONTE JOTA PRO TRIBUTOS

MARIANA BRANCO – Repórter especializada em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Jornalista formada pela Universidade de Brasília (UnB). Foi repórter do Correio Braziliense e da Agência Brasil, vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), na área de economia.

 

 

 

Responsabilidade civil na LGPD: não há consenso entre especialistas

Lei não esclarece o regime de responsabilidade, o que abriu espaço leituras distintas

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) tem uma seção exclusiva dedicada à responsabilização, onde o texto expõe desde os critérios para reparação de danos a circunstâncias que caracterizam um tratamento irregular. O que não está presente nela é a especificação do regime de responsabilidade civil. Ao contrário do Código de Defesa do Consumidor, a lei não deixa claro se é necessário comprovar a culpa para haver indenização — motivo pelo qual advogados e especialistas entraram em um debate quente, sem perspectivas de pacificação.

No âmbito das relações de consumo, a regra é a responsabilidade objetiva, a qual estabelece que, independentemente da existência de culpa, o ator da conduta responde pela reparação do dano. Para isso, porém, é preciso atestar o nexo de causalidade, o vínculo lógico entre a ação e o dano sofrido. Isso não acontece no Código Civil, onde reina a responsabilidade subjetiva. Esse regime também considera a demonstração de dano e de nexo causal, mas leva em conta, além deles, a culpa, abrangendo o dolo e a violação de um dever, seja por negligência, imprudência ou imperícia.

Essa última teoria é a que Antonio Freitas, conselheiro da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), defende na legislação de proteção de dados. Segundo ele, é contraditória a aplicação da responsabilidade objetiva sendo que há uma série de dispositivos na LGPD regulando boas práticas e medidas de adequação. Se a responsabilização independe de culpa, qual o sentido de cumpri-las? O advogado ressaltou ainda que o art. 45 da lei já estabelece que, na esfera consumerista, as hipóteses permanecem sujeitas ao CDC. Em vista disso, no restante da lei deveria ser aplicada a lógica subjetiva.

Freitas alertou que a independência da comprovação de culpa pode fazer empresas deixarem de investir altas somas de recursos em proteção de dados. “Por que eu vou gastar com uma assessoria jurídica, com uma assessoria de segurança de informação, para estar em conformidade com uma lei, se, caso alguém me processe, tanto faz?”, indagou.

Divergência

Em contraposição, Marcelo Cárgano, advogado do Abe Advogados, argumentou em prol de uma responsabilização protetiva, do ponto de vista do titular, mas incisiva com o agente. Isso porque, de acordo com o especialista, a LGPD é fruto de um mundo orientado por dados, os quais, nas mãos de pessoas erradas, podem incorrer em graves violações e até mesmo mudar os rumos de uma eleição.

O advogado também citou o elencamento de medidas de segurança e boas práticas, mas para se opor ao discurso subjetivista. A legislação indica que o agente deve observar a segurança do tratamento de dados. Dessa maneira, reconhecendo o risco intrínseco da atividade, não bastaria ao agente “fazer tudo certinho”. Além disso, seria necessário adotar medidas específicas de segurança.

Terceira via

O entendimento de Cárgano dialoga com a proposição de Maria Celina Moraes e João Quinelato de Queiroz, segundo os quais o regime de responsabilidade na LGPD não se trata mais de aplicação das regras da teoria clássica, mas de uma responsabilidade ativa. Nesse novo regime, não seria suficiente apenas o cumprimento dos artigos da lei. O agente deveria comprovar que está em conformidade com a norma e que suas medidas são eficazes. Há, inclusive, um precedente nesse sentido no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), sob o número 1008308-35.2020.8.26.0704.

Para Laura Schertel Mendes, professora de Direito Civil do IDP, a LGPD traz, em realidade, mais de um tipo de responsabilidade, mas sua aplicação na lei não dependeria dos debates doutrinários entre subjetivistas e objetivistas. Isso porque não caberia à vítima provar a ilicitude do tratamento, por força do texto literal dos artigos 42 e 43. Antes, compete aos agentes a comprovação que a atividade não aconteceu ou que era lícita.

“A responsabilidade civil na LGPD pressupõe o reconhecimento do risco no tratamento de dados pessoais. Dessa forma, pouco importa na prática se qualificarmos a responsabilidade da LGPD como objetiva ou como subjetiva com culpa presumida,” explica Mendes. “Fato é que o dever de indenizar surge quando houver o dano, a violação à norma e o nexo causal, podendo os agentes de tratamento provarem que não houve violação à norma, que a atividade não se realizou ou que o dano decorre de culpa exclusiva de titular ou de terceiro.”

A leitura conversa com a análise de Bruno Bioni, membro-titular do Conselho Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e diretor-fundador do Data Privacy Brasil. O especialista afirmou que a discussão binária empobrece o debate. Em artigo publicado revista eletrônica civilistica.com, em co-autoria com Daniel Dias, da FGV Direito Rio, Bioni argumenta que, independentemente da resposta, seria melhor focar em quais “filtros” a LGPD colocou para que um agente de tratamento possa ser responsabilizado. Esses “filtros” estão ligados à expectativa do titular de dados a respeito do tratamento. É esperado que poucos fiquem contentes com o vazamento de seus dados médicos.

“A Lei de Proteção de Dados Pessoais é muito calcada na perspectiva de risco. Isso significa dizer que você pode e deve esperar mais daqueles agentes de tratamento de dados pessoais cujas atividades têm um risco maior. Ou seja, o peso da lei vai ser calibrado de forma intensa para quem, por exemplo, trata dados pessoais sensíveis em larga escala.”

Por essa razão, não se pode perder de vista os princípios da prestação de contas e da responsabilidade. Bioni destacou que as medidas de segurança e prevenção têm de ser substanciais, não podendo ser somente uma papelada ou uma check list simples.

Sedimentação

Os especialistas ouvidos pelo JOTA concordaram em um ponto: a pacificação do assunto ficará nas mãos do Poder Judiciário. Até lá, o debate deve correr por alguns anos.

FONTE: JOTA

ARTHUR GUIMARÃES – Repórter em São Paulo. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Estudante de jornalismo na Faculdade Cásper Libero. Antes, trabalhou no Suno Notícias cobrindo mercado de capitais. Email: arthur.guimaraes@jota.info

 

 

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