Stf E A Exigência Equivocada Do Itbi

Stf E A Exigência Equivocada Do Itbi

Não há interpretação extensiva da decisão do STF sobre integralização de imóveis no capital social de empresa que possa dar suporte a essa exigência.
Ementização é o uso indevido de uma ementa sobre um determinado tema em outro que não tenha relação com o primeiro. Ou seja, é o uso equivocado de um conceito firmado em um processo sem relação com a discussão em análise. Os danos podem ser imensuráveis.

E é exatamente o que está acontecendo como Imposto sobre Transmissão de Bens imóveis (ITBI): os tribunais estaduais estão replicando a ementa de um julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) para casos que discutem a aplicação da imunidade do ITBI sob perspectiva completamente distinta.

No segundo semestre de 2020, o STF encerrou o julgamento do RE 796.376 (Tema nº 796), sob o rito da repercussão geral, decidindo que a imunidade do ITBI nos aumentos de capital com imóveis em sociedades não imobiliárias não alcançaria valores que não fossem destinados à conta “capital social” do balanço dessas sociedades.

O entendimento que prevaleceu foi no sentido de que o valor que superar o limite da conta “capital social”, quando destinado a outra conta do patrimônio líquido, não está abarcado pela imunidade tributária trazida pelo artigo 156, parágrafo 2º, II, da Constituição Federal, uma vez que a norma constitucional fala em “realização de capital”.

E aqui não ponderamos a interpretação dada pelo STF ao caso analisado, mas sim dos Tribunais de Justiça que simplesmente replicam a ementa do julgado do Supremo para casos com natureza fática completamente diferente. Explicamos.

A origem de toda a discussão nos autos do RE 796.376 é um mandado de segurança impetrado por uma sociedade holding com as atividades de “participação societária e acionária em outras empresas e a representação comercial por conta própria ou de terceiros”, e com capital social no valor de R$ 24.000,00.

Os sócios da holding pretendiam integralizar ao capital social 17 bens imóveis avaliados em valor muito superior, sendo que a diferença entre a conta “capital social” e o valor distribuído aos imóveis foi contabilizada na conta “algo subscrito de quotas, do patrimônio líquido”

O município de jurisdição dos imóveis que seriam transferidos para a holding se recusou a emitir a guia reconhecendo a imunidade integral do imposto sob a justificativa de que a imunidade deveria estar restrita ao valor destinado à conta capital social do balanço da sociedade.

A pretensão do município, à época dos fatos, era exigir o ITVI sobre a diferença positiva entre o valor do capital social da sociedade e o valor histórico (isto é, o valor pago pelos sócios no momento da aquisição do bem imóvel).

O resultado da discussão já é de conhecimento geral dos profissionais que atuam na área tributária. O STF, por 7 votos a 4, fixou a seguinte tese: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do parágrafo 2º do artigo 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

É de extrema importância reforçar que em nenhum momento foi mencionada qualquer pretensão do município em exigir o ITBI sobre a diferença entre o valor venal e o valor atribuído ao imóvel pelos sócios.

O objeto da discussão ficou restrito à destinação do valor atribuído aos imóveis às contas “capital social e “ágio na subscrição de quotas” do patrimônio líquido, e a possibilidade, ou não, de reconhecer a imunidade tributária à parcela do valor destinado a segunda conta do patrimônio
líquido.

Ocorre que, com fundamento exclusivo na leitura da tese fixada pelo STF, os municípios têm exigido o ITBI sobre a diferença positiva entre o valor venal e o valor contábil do bem imóvel, prejudicando o direito constitucional dos contribuintes à imunidade do ITBI nas contribuições ao capital socia de pessoas jurídicas.

E pior, os contribuintes, ao levarem suas demandas ao judiciário, confiantes de que seus pedidos encontraram guarida nos tribunais estaduais, têm de deparado com decisões que se limitam a replicar a tese fixada pelo STF, que, importante reforçar novamente, não avaliou, e sequer confirmou a possibilidade de exigência do ITBI sobre a diferença entre o valor contábil e o valor venal dos imóveis.

Um ano e meio após o julgamento do RE 796.376, nós advogados temos nos deparado com diversas decisões de Tribunais de justiça que, de maneira equivocara, passaram a decidir, com fundamento da ementa da decisão do STF, que se o sócio optar por utilizar o valor de custo (histórico) do imóvel para integrar o capital da sociedade, a diferença positiva entre o valor do capital social subscrito e o valor venal (ou valor venal de referência) do bem imóvel deveria ser tributado pelo ITBI.

Trata-se de um desvirtuamento da tese fixada pelo STF como tentativa dos municípios em exigir o imposto sem fundamento em lei. E não há interpretação extensiva da decisão do Supremo que possa dar suporte a essa exigência – trata-se de violação ao princípio constitucional da estrita legalidade.

Essa indevida interpretação e replicação do entendimento a casos de natureza fática diferentes, além de subsidiar os municípios a pleitearem o ITBI de novos contribuintes que fizeram este tipo de operação societária, traz insegurança jurídica no âmbito judicial para aqueles que já discutiam a matéria.

 

 

Fonte: Valor Econômico

 

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